De lés a lés para contar as notícias do Alentejo

Hugo Alcântara começou a trabalhar na SIC em 2003, uma grande oportunidade e sonho que não acreditava ser possível de acontecer. Inicialmente, o trabalho realizado era mais restrito, mas com o passar do tempo evoluiu. O foco, no entanto, mantém-se. Olhar para o interior do país sem, no entanto, grandes amarras porque a atualidade assim o exige. O trabalho do correspondente da SIC em Portalegre, não se restringe apenas à cidade e ao distrito. “É uma área de cobertura muito grande. São três distritos nativos, Portalegre, Castelo Branco, grande parte do distrito de Santarém, uma dobra dos distritos de Évora e Beja e grande parte de Espanha porque a necessidade assim o dita”.

A falta de meios e recursos humanos no jornalismo, em especial no jornalismo realizado em ambientes locais, tem contribuído para o aumento das áreas de cobertura das delegações locais. Segundo um estudo realizado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), 22,9% das empresas de comunicação local e regional têm entre três e cinco jornalistas e 49,1% têm apenas até três jornalistas.

Diante deste cenário, qual será a importância das delegações regionais e o papel dos seus correspondentes locais?

“Nós não podemos medir o impacto, nem podemos sequer querer medi-lo.”

No jornalismo não há rotinas e para Hugo Alcântara é justamente isso que o atrai na profissão. Jornalista desde os dezasseis anos, o correspondente da SIC refere que o mais importante é estar atualizado, principalmente em relação à área onde se insere. “Não é suposto acontecer nada nesta zona que eu não saiba. Se isso acontecer estou a fazer um mau trabalho. Porque acontecendo alguma coisa eu devo saber para avaliar se é notícia, se não é notícia. Nenhum dos meus editores deverá perguntar-me alguma coisa e eu não saber. Isso deve ser a minha rotina”.

A redação é composta por uma equipa e meia, após a saída do outro jornalista que a integrava. O telefone está sempre ali, prestes a tocar e a colocar Hugo Alcântara fora da sua zona de conforto e, muitas vezes, com vários quilómetros a percorrer. No entanto, desdramatiza as dificuldades e a pressão sentidas. “São os desafios que enfrentamos todos. Nós não enfrentamos, nem mais, nem menos. Nós temos de cumprir, temos de correr, temos de fazer e não vale a pena queixarmo-nos”.

A área a noticiar é muito grande e, por isso, nem sempre o foco está na cidade de Portalegre ou na sua região. O correspondente da SIC já não se lembra da última vez que deu uma notícia sobre Portalegre, mas destaca trabalhos realizados anteriormente. “Já fiz reportagens especiais sobre Portalegre. Estão ali quatro discos rígidos escondidos com nove mil reportagens. Daquelas nove mil reportagens, encontraremos, provavelmente, umas duzentas sobre Portalegre e algumas delas com mais de dez minutos.”, sublinha o jornalista cujo impacto das notícias nas populações diz ser impossível de medir. “Não podemos estar a trabalhar para saber se isto tem um impacto negativo ou positivo, no final nós temos de dar a notícia, seja ela boa ou má”.

De acordo com um estudo realizado pelos autores Pedro Jerónimo, Giovanni Ramos e Luísa Torre, presente no texto “Desertos de Notícias Europa 2022: Relatório de Portugal”, trezentos e oito dos cento e sessenta e seis concelhos de Portugal são ou estão em risco de tornarem-se desertos de notícia. No caso de Portalegre, 60% dos concelhos estão em algum tipo de deserto de notícias, sendo que 53,3% não contam com nenhum meio de comunicação social e 26,7% estão ameaçados. Confrontado com estes dados, Hugo Alcântara não vê a desertificação e o despovoamento como problemas, mas sim como oportunidades. “Há muitas boas notícias, belíssimas e inspiradoras histórias, onde há menos gente. Onde houver uma pessoa, há uma história para contar. Não podemos é deixar sair de lá essa pessoa porque se a essa pessoa se juntar outra, há duas histórias para contar. E o jornalismo é uma muito e inspiradora forma de ajudarmos a que não haja desertos de coisa nenhuma”.

Questionado ainda sobre o estado do jornalismo atualmente, o jornalista destaca o seu potencial democrático e de liberdade. “O estado do jornalismo em Portugal é diretamente proporcional ao estado do país e ao estado de outras coisas. Faz-se o que se pode, da maneira que se pode. Eu gosto muito de jornalismo, adoro ser jornalista. Ainda acredito que é possível fazer um jornalismo romântico, com regras e como deve ser”.

“Cabe-nos a nós ir à procura de histórias e tentar contar histórias.”

Para Teresa Marques, correspondente da RTP Évora, o estado do jornalismo também a preocupa. “É muito preocupante. Preocupante pela desinformação porque atualmente as novas gerações veem poucas notícias, e acreditam muito no que veem e leem na internet e o que leem muitas vezes são notícias falsas e isso preocupa-me muito.”, assinala a jornalista que refere, ainda, mais outra das suas preocupações: “Preocupa-me também os órgãos de comunicação social que empolgam muito situações pouco relevantes para a opinião pública, em geral. Exploram muito a situação do crime, de um acidente de viação que às vezes não tem grande expressão, que é contado à exaustão. Não é que não seja notícia, não precisa é de ser contado até à exaustão, em tempos infinitos de antena, a não dizer nada”. 

Há vinte e um anos ao serviço do canal público de televisão, a jornalista refere o papel importante das delegações no combate aos desertos de notícias. Cabe-nos a nós ir à procura de histórias e tentar contá-las. E mesmo que elas não nos cheguem, às vezes numa conversa de amigos em que nos contam qualquer coisa e nós pensamos que esse assunto podia ser uma boa reportagem, somos nós que depois vamos à procura dela. Acho que nós temos um papel importante nesse combate.”

Apesar de tentar combater a desertificação, especialmente visível nas zonas do interior, dando visibilidade ao máximo de regiões possíveis no Alentejo, Teresa Marques refere que a responsabilidade sobre a visibilidade de uma região não é apenas dos jornalistas. “Nós não conseguimos fazer isso de igual modo, por muito que tentemos. Tentamos, era nosso desejo, mas primeiro nós somos poucos e depois há lugares que produzem mais informação do que outros. Se há lugares que produzem mais informação, inevitavelmente são esses onde vamos mais.”, afirma a correspondente local que aponta a desertificação como umas das causas para o problema: “Infelizmente esta situação é um bocado inevitável. Se há despovoamento, se não há pessoas, não há notícias. E se as regiões estão cada vez menos povoadas, é difícil que o montado só por si, com animais e árvores, produza informação. Onde não há pessoas, é mais difícil haver notícias”.

Com uma área de cobertura que se estende pelos distritos do alto, baixo e interior alentejano, a jornalista enuncia as dificuldades sentidas pela delegação: “A delegação tem falta de meios, porque a região é muito grande e porque somos só dois jornalistas, sendo que um deles faz principalmente cobertura de rádio”.

Falar sobre a RTP, é sinónimo de falar em serviço público. Questionada sobre as diferenças existentes entre o canal público e os canais privados, Teresa Marques afirma a existência de abordagens distintas na seleção de notícias. “O nosso critério, às vezes, tem mais a ver com o interesse nacional, enquanto os outros se depreendem mais com o crime, com a violência e a RTP nem sempre segue esse caminho”.

“As pessoas aqui no Alentejo são um pouco mais retraídas, quando são assuntos mais complicados.”

As dificuldades sentidas por José Lameiras, à semelhança dos seus colegas de profissão, passa também pela grande área geográfica que tem de noticiar. “São três distritos grandes, em termos de área. É certo que há dias em que o trabalho é muito, há outros em que nem por isso. Nunca é demais gente, porque com mais recursos conseguia-se fazer mais coisas”, afirma o jornalista que para além do elevado número de quilómetros que tem de fazer, menciona também a própria população, como uma dificuldade ao seu trabalho. “Há assuntos mais difíceis do que outros, assuntos mais agradáveis de noticiar são sempre mais fáceis. Se for uma situação mais complicada que envolve, por vezes, crimes, é mais difícil que as pessoas queiram falar”.

O jornalista que trabalha na Rádio Despertar, localizada em Estremoz, acumula funções de correspondente local, produzindo também para a CMTV [Nota de redação: atualmente é jornalista da SIC no Alentejo]. Uma conciliação entre dois trabalhos que passam pelos distritos de Évora, Portalegre e Beja e que nem sempre é fácil. “Há dias com mais dificuldade, outros dias com menos dificuldade. Outros dias mais calmos, outros dias mais intensos. Muitos dias chegam a ter vinte horas, porque se o trabalho na CMTV for muito, depois há tudo para fazer e preparar na rádio, no dia seguinte. Até agora consegui e já lá vão seis anos, mas não é nada fácil”.

Apesar dos desafios profissionais, José Lameiras acredita num futuro onde o jornalismo e as redes sociais possam existir simultaneamente. “Há muitos jornalistas de Facebook e isso não é bom. Mas as pessoas já começam a perceber as coisas. Não quer dizer que não vejam nas redes sociais uma notícia, mas depois quando querem saber mais, sabem onde é que vão.”, enaltece o jornalista que vê também a profissão a adquirir uma maior credibilidade. “O jornalismo tende a ser mais credibilizado, mas isso também depende dos jornalistas, que têm de fazer um trabalho sério, cada vez mais se apoiando em boas fontes e que tragam a informação correta e mais alguma coisa porque o leitor, o espetador ou o ouvinte, querem sempre saber mais e as pessoas não se cansam de ser informadas”.

Perspetivas para o futuro

O futuro das delegações e dos correspondentes locais é desafiante. São várias as barreiras que estes profissionais enfrentam diariamente no terreno, cada vez maior em área e escasso em recursos., especialmente o recurso humano. Um cenário que faz, não só parte do jornalismo local, mas do jornalismo na totalidade.

Perante os desafios existentes na profissão, os jornalistas entrevistados deixaram algumas mensagens para os estudantes de jornalismo e futuros profissionais da área. Para Hugo Alcântara, o conselho é este: “Não desaproveitem, nem um segundo, tudo aquilo que aprenderam na escola. Foi o maior privilégio que tiveram. E quando forem estagiar, não desaproveitem nem um milissegundo, todas as oportunidades que tiverem para aplicarem aquilo que aprenderam na escola. Porque quando saírem do estágio, aí é que vai começar”. 

Teresa Marques assinala a leitura assídua e o pensamento crítico como algumas das características que os futuros profissionais devem possuir. “Questionem-se, porque é que é verdade, porque é que isto é assim, que fontes é que eu devo usar para provar que é verdade, cruzem a informação. Não acreditem na primeira coisa que vos é dita, sem cruzarem a informação com outros intervenientes da história. Escrevam bem”.

Por último, para José Lameiras trata-se, sobretudo, de uma questão de preparação. “Devemos acreditar nas nossas capacidades e não pensarmos que há muitos jornalistas, que o mercado está saturado, que os órgãos de comunicação são cada vez menos. Se nós tivermos qualidade e oportunidade de apresentar essa qualidade, tudo acontece. É preciso acreditar”.

 

Autores: Bianca Semedo, Madalena Barreiros, Ricardo Pereira

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